20.3.22

Leituras sobre a guerra e a nova censura I

 Hoje em dia, para nos mantermos informados há, sobretudo, que fazer um gesto: desligar a televisão. E procurar informação que não provenha do «Ministério da Verdade». Aqui vos deixo leituras outras para a crise actual (com a colaboração de alguns amigos):

1.«Torquemadas do Pensamento» de José Goulão (Associação Abril/Abril)

https://www.abrilabril.pt/internacional/torquemadas-do-pensamento

Alguns excertos:

«Porém, o poder avassalador com que caiu sobre nós o surto de propaganda de guerra representa um salto qualitativo no processo de controlo do pensamento dos cidadãos, como que remetendo os «dissidentes», aqueles que habitualmente usam a capacidade de crítica perante os conceitos dominantes, para a categoria dos potenciais autores de delitos de opinião, criminosos passíveis de ser encarados como seres desprezíveis, traidores, até mesmo alvos de perseguições. Uma abordagem tão intensa como esta vem reforçar de maneira trituradora os ensaios autoritários e de extermínio dos mecanismos democráticos realizados durante as fases mais agudas da pandemia de Covid-19»

«Assim sendo, acha o leitor que a guerra tem a ver com o cerco da Rússia pela NATO, o mais poderoso exército do mundo e que vê em Moscovo o seu principal inimigo? Ou com o facto de a entrada da Ucrânia na NATO apertar esse cerco, encurralando ainda mais o território russo? Ou com a ameaça do presidente ucraniano de que poderá voltar a dotar o país com armas nucleares? Ou com o massacre das populações russas do Leste pelas forças militares ucranianas e que já dura há oito anos? Ou com o facto, amplamente comprovado, de que o Estado ucraniano e as suas forças militares assentam em organizações nazis apoiadas pela NATO e que têm como objectivo «acabar com a russificação» da população do país, pobre eufemismo para limpeza étnica? Ou com a rejeição prática de acordos de paz (Acordos de Minsk) pelas autoridades de Kiev com a cumplicidade da Alemanha e da França? Ou ainda com a lei sobre «os povos autóctones» promulgada pelo presidente Zelensky há menos de um ano, instituindo um sistema de apartheid de direitos, liberdades e garantias entre as populações ucranianas de origem escandinava e as comunidades eslavas, consideradas em linguagem comum como «os pretos da neve»?»

«Pois o leitor está proibido de achar qualquer coisa deste género; nem dizê-lo; e o mais seguro é mesmo não pensar porque incorre no crime de violação da opinião única estabelecida pelos dirigentes dos Estados Unidos e dos seus satélites da União Europeia, fiscalizada através de uma comunicação social sem dúvidas e que nunca se engana. Como nos idos tempos de Salazar, que julgávamos ultrapassados de vez, quem não está connosco está contra nós, neste caso a favor do déspota Putin.»

«Em 8 de Março, conforme testemunha a agência Getty Images, a NATO celebrou o Dia Internacional da Mulher fazendo circular, evocando todas as mulheres do mundo, a imagem de uma terrorista do batalhão nazi ucraniano Azov exibindo na farda o símbolo do grupo, um sol negro, oriundo do ocultismo nazi alemão e que resulta da sobreposição de três cruzes suásticas.

 


 

Para a Aliança Atlântica a mulher nazi representa uma «combatente da liberdade», tal como os ucranianos do Leste, resistentes à limpeza étnica, são «terroristas». Ao mesmo nível, por certo, dos «terroristas» palestinianos que resistem à matança, ao apartheid e ao confisco das suas terras.»

«Os governantes europeus – os norte-americanos nem se dão a esse trabalho – e a comunicação social amestrada pretendem minimizar essas práticas fazendo crer que a presença nazi é insignificante no poder ucraniano.

Isso é totalmente falso e pretende esconder um colaboracionismo europeu e norte-americano com o nazismo para transformarem a Ucrânia numa ponta de lança contra a Rússia, enfraquecendo economicamente este país, isolando-o e tentando impedir que seja um empecilho à estratégia globalista conduzida no quadro do uniteralismo como ordem mundial inquestionável.»

«A União Europeia, que para não receber refugiados financia campos de concentração na Líbia onde, depois de desapossadas dos seus bens, pessoas que fogem das guerras e do colonialismo são torturadas e mesmo assassinadas; que persegue seres humanos à deriva no Mediterrâneo, deixando que milhares deles se afoguem, pois agora essa União Europeia está pronta a receber os refugiados ucranianos, sejam eles quantos forem.

«É sempre mais reconfortante, pelos vistos, acolher gente com boa aparência, de preferência seres louros e de olhos azuis, do que maltrapilhos de pele escura, esfomeados que pretendem viver às custas dos serviços sociais dos países civilizados. Trata-se de injecções de «sangue puro», como dizia o inquisidor Torquemada, seguido depois por Hitler e agora, na Ucrânia, pelo «fuhrer branco», Andriy Biletsky, fundador das milícias Corpo Nacional e depois do Batalhão Azov, cuja obra inspira os acampamentos de crianças que recebem formação nazi e treino militar, e que tem como objectivo «conduzir as raças brancas na cruzada final»».

«A palavra agora para Peter Dobbie, do canal inglês da Al-Jazeera, sobre os refugiados: «O que é convincente é que só de olhar para eles, da maneira como estão vestidos, são pessoas prósperas, de classe média, não são obviamente refugiados tentando fugir de áreas do Médio Oriente que ainda estão em grande estado de guerra; não são pessoas tentando fugir de áreas do Norte de África: parecem-se com qualquer família europeia que seja nossa vizinha...

Guerra é coisa de pobres, de gente a quem a violência militar é levada pelos ricos para que fiquem finalmente civilizados e democratizados. Desde 24 de Fevereiro, início da invasão da Ucrânia pela Rússia, houve mais bombardeamentos aéreos da Arábia Saudita contra o Iémen, com apoio norte-americano, do que de russos sobre o território ucraniano.

Entretanto, Jeremy Bowen, jornalista do modelo de independência e circunspecção que é a BBC, divulgou instruções sobre «onde e como» lançar cocktails Molotov, «um guia para os voluntários ucranianos».

Joseph Pulitzer, grande jornalista norte-americano falecido em 1911, escreveu um dia que «com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica, corrupta formará um público tão vil como ela».»

«O cenário montado a propósito da Ucrânia é exemplar. E ainda há quem se surpreenda com a veloz reactivação de correntes neofascistas e neonazis através da Europa. Pois se os próprios dirigentes da NATO e da União Europeia, proclamados defensores da democracia, lhes dão a mão para defenderem os seus interesses – que não os dos povos dos seus países – fica tudo explicado. Daí que nada haja de escandaloso em vermos em Portugal bandeiras da Juventude Socialista juntas com as do Chega e do Sector de Direita ucraniano em manifestações sobre a Ucrânia. Tal como Borrell e Santos Silva tomam atitudes censórias enquanto sustentam objectivamente o terrorismo do «führer branco» que se prolonga há oito anos.

Nada disto tem a ver com a paz ou a defesa da paz, única maneira de interromper a nova fase do conflito ucraniano aberta com a também criminosa agressão russa. Nesta guerra não há inocentes, a não ser as vítimas civis a Ocidente e Oriente do país, tal como poderá não haver vencedores.»