26.10.05

Gado gado de números

Um português viu alguns rapazes parados numa estrada remota. Parou a carrinha e perguntou: «Para onde é a ida?». Um dos rapazes saltou imediatamente para a parte do automóvel. «Põe-te já na rua!», vociferou o homem. Saltou-lhe um segundo para o carro. «Tás tolo, ou quê?», disse o tipo desesperado. E bumba, instalou-se o terceiro na retaguarda para espanto do portuga...
Há humor em Timor. Naive, mas há. As palavras ida, tolo e rua querem dizer um, dois e três em tétum. O portuga pode ser trocado por outro malae de qualquer nacionalidade que saiba rir de si própria - uma condição que pode tornar a escolha difícil...
Quanto aos números em tétum são inúteis para grande parte das transações - nomeadamente as efectuadas no mercado - uma vez que o indonésio é a língua utilizada no comércio. Quer em terra de tétum, quer de fataluco, o comerciante vende a banana, o kanku ou o xúxú por satu, dua ou tiga dólares.
«Quatro dólares lima tiga», dizia a Ófelia (Mona para os clientes habituais e amigos) para a patroa, no restaurante japonês onde costumo ir. Ou seja uma frase em português (quatro), inglês (dólares), tétum ou indonésio (cinco é igual nas duas línguas) e indonésio (seis). Gado gado de números....

25.10.05

A metade do crocodilo

Eis a metade do crocodilo. Ainda não percebi se é o rabo ou a cabeça. Mas tenho cá as minhas suspeitas....

19.10.05

O sol nasce a leste


É aqui que ele nasce. Os timorenses levantam-se com ele (ou com as galinhas e com os galos, que não param de cantar, mesmo quando não é dia de luta). A vida cosmopolita é, portanto, muito bucólica, com os ministérios a abrir às 8 e as cabras e porcos a comer a relva dos edifícios públicos, a qualquer hora.
Uma piada batida é a do cinema: «Então, vamos à sessão das 9?». Não há sessões, a nenhuma hora...
Díli, é estar na cidade, estando no campo. Ou vice-versa.
Eu, que sou cosmopolita, tive que fazer um grande esforço para abrir um olho e ver este nascer do sol, no Ataúro.

O dólar e o pepino

Quando nada parece correr bem em Díli há duas máximas a adoptar, consoante a fonte; primeira: «one more day, one more dollar»; segunda: «tens o pepino na mão um dia, nove no rabo». Esta última é importada do Médio Oriente, mas adapta-se perfeitamente a quem está completamente a leste....

14.10.05

Relações luso-australianas

Partia eu a pista do AAJ's, depois de demolir a do Cool Spot, quando se aproximou um caucasiano, apessoado. «Olá, sou o Ashley», disse com pronúncia australiana. «Ashley como em ashley run (uma prova de corrida que termina numa monumental bebedeira)?», perguntei. «Mais ou menos.... tu és francesa?», retorquiu questionando. «Não, sou portuguesa». O homem esbugalhou os olhos, ficou lívido e calado e lá desembuchou sem me olhar nos olhos, «Desculpa querida, tenho que ir!». Fiquei especada... nunca a minha nacionalidade fora um entrave a uma conversa de bar.

7.10.05

Gado-gado de línguas

Gado-gado é uma entrada indonésia, que consiste em vegetais variados para mergulhar num molho de amendoins, servido ao lado.
A línguas em Timor são assim, variadas, baralhadas e conspurcadas. A constituição - aceite por um parlamento democraticamente eleito - determina no seu artigo 13º que o português e o tétum são as línguas oficiais deste país. No entanto, muitos australianos e outros «internacionais» ou malay, que trabalham para as organizações internacionais recusam-se a admitir o facto. Muitos defendem que devia ser indonésio ou inglês a língua oficial. Indonésio? Em nome das excelentes relações que a Austrália manteve com esse país durante a ocupação e que lhe valeram a exploração do petróleo no Mar de Timor? Inglês? Em nome de que neo-colonização? «Mas, repara os novos países que escolheram inglês como língua oficial estão muito bem actualmente», dizia-me uma amiga australiana. A Jamaica, esse grande bairro de lata rasta? A Serra Leoa? Talvez o Zimbabwe? Não? Pronto, sim, Singapura. Mas não terá sido antes pela energia dos chineses, neste caso? O que tem o inglês a ver com os timorenses e a sua cultura? Foram colonizados pelos ingleses, por ventura?
Enfim... Depois, surgem os que admitem estes argumentos mas pensam que tétum é que tem que ser a língua, não português. O problema é que tétum não é uma língua, é um dialeto, um crioulo, um patúa. O Instituto Nacional de Linguística tem a função de fixar o que é tétum correcto. É denegrido pelos tais internacionais que dizem que aportuguesa o tétum. Eu não diria isso, uma vez que ainda recentemente resolveram que o nh do português em tétum vai ser representado por um n com til em cima... E olé!!! A escolha do k indonésio para substituir o c ou qu também me parece pouco lusa.
Depois há o problema dos outros dialectos e dos grupos étnicos correspondentes. Em Los Palos, onde se fala fataluku, por exemplo, pode-se parar o carro e perguntar uma direcção em tétum que a resposta será, quase sempre, nula. Feita a pergunta em português, recebe-se a resposta possível, com mais ou menos esforço. Tétum é o dialecto da tribo que está no poder, o que não agrada às restantes.
Ah, sim, e há a questão do português. Os internacionais anti-lusos (esses colonialistas que nada fizeram por Timor) acham que é a língua dos políticos actuais e que os jovens se vão rebelar, destroná-los do poder e impôr o indonésio (ou o inglês, noutras opiniões). Os portugueses e brasileiros, desconcertadamente pouco fazem pela língua. O governo de Timor idem.
Enfim, um gado gado a atirar para o azedo....